Invasão do parlamento brasileiro e confrontos na Assembleia do Rio de Janeiro ofuscaram manifestação pacífica em São Paulo; cerca de 250 mil pessoas participaram de protestos pelo País
Quando todas as atenções estavam voltadas a São Paulo,
diante de um temor de que as cenas de violência registradas na semana
passada se repetissem nesta segunda-feira, a capital paulista deu
mostras de civilidade neste histórico 17 de junho, em que mais de 65 mil
pessoas decidiram ir às ruas pacificamente para reivindicar seus
direitos. A manifestação cidadã da maior metrópole brasileira, porém,
foi ofuscada pelos jovens que subiram no topo do prédio do Congresso
Nacional, em Brasília, e a tentativa de invasão da Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro, cujas imagens ganharam o mundo como
retrato da insatisfação popular com o atual momento do País.
A movimentação no Largo da Batata, na região central de
São Paulo, começou ainda no início da tarde. Como o protesto estava
marcado para as 17h, diversos estabelecimentos comerciais da região da
avenida Faria Lima fecharam as portas mais cedo, com medo de atos de
vandalismo e tumultos provocados pela repressão policial. Com a ordem do
governo de evitar ao máximo o confronto com manifestantes, proibindo
inclusive o uso de balas de borracha, a Polícia Militar acompanhou, à
distância, a marcha dos inconformados, que tomaram as ruas e se
dividiram em grupos distintos, seguindo para a avenida Paulista e para o
Palácio dos Bandeirantes.
Na avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, 10 policiais
militares deram uma demonstração de apoio à manifestação e acompanharam
ativistas, sentando-se na pista.
Eles foram aplaudidos por integrantes do protesto. "Isso é uma
demonstração de respeito da Polícia Militar à vontade política da
população", diz Matheus Prei, integrante do Movimento Passe Livre e que
acompanha os policiais. "Estamos vivendo uma experiência que nunca
vivemos. Estamos aprendendo com essa passeata. Quando a gente não é
reprimido, a gente consegue manter o controle das pessoas e não tem
vandalismo, nem violência."
Foi justamente na sede do governo que, após mais de seis
horas sem qualquer registro de ocorrência, foi visto o primeiro
confronto, por volta das 23h. Vaiados pela maioria dos manifestantes, um
grupo tentou invadir o palácio e foi recebido pela Polícia Militar com
bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral.
'O Congresso é nosso'
Mais de cinco mil pessoas participaram do ato que, ao menos simbolicamente, representou o maior "feito" dos manifestantes em todo o Brasil. Após marchar pela Esplanada dos Ministérios e cercar o Congresso Nacional, em Brasília, a multidão conseguiu furar o bloqueio e subiu no prédio do parlamento, pela lateral do edifício. A PM respondeu com bombas, mas os manifestantes retornaram em maior número e ocuparam o local onde ficam as abóbadas invertidas. Eles gritavam frases como "aha-uhu, o Congresso é nosso". Do lado de baixo, no gramado, manifestantes cantavam o Hino Nacional, segurando os celulares acesos.
Os senadores Inácio Arruda (PCdoB-CE), Rodrigo
Rollemberg (PSB-DF), Paulo Paim (PT-RS) e Eduardo Suplicy (PT-SP) e o
presidente em exercício da Câmara, André Vargas (PT-PR), tentaram
negociar a saída dos manifestantes, mas a falta de uma liderança do
movimento dificultou o diálogo. Houve princípio de tumulto mais cedo,
quando o grupo invadiu o espalho d'água em frente ao Congresso.
Cerco à Assembleia do RJ
Depois de
um começo de manifestação pacífico, a polícia e uma pequena parte dos
mais de 50 mil manifestantes entraram em confronto na noite desta
segunda-feira durante os protestos contra o aumento da passagem no Rio
de Janeiro. O enfrentamento aconteceu em frente à Assembleia do Estado
do Rio de Janeiro (Alerj), que recebeu forte policiamento para evitar
pichações. Os manifestantes fizeram fogueiras nas imediações do prédio e
atearam fogo em dois carros, um no estacionamento funcional da
Assembleia Legislativa e outro atrás da Alerj. Pelo menos 15 focos de
incêndio foram contados pela reportagem do Terra. No fim da noite, um
grupo de manifestantes conseguiu invadir o prédio da Alerj, quebrou
janelas, ateou fogo na porta e tirou cadeiras de dentro do edifício.
Dezenas de PMs e funcionários ficaram presos dentro da
Alerj, cercada por manifestantes. Eles negociaram com os que protestavam
para sair com os policiais que ficaram feridos durante a invasão.
Oficialmente, cinco estão machucados, mas havia informações de que até
20 PMs estariam feridos. Por volta das 23h15, a Tropa de Choque chegou
ao local e usou bombas de gás lacrimogênio. Às 23h45, os policiais
conseguiram deixar a Alerj.
Funcionários dizem que havia mais de 100 pessoas dentro
do prédio. "Ficamos numa sala no segundo andar, presos. Eles jogavam
muitas pedras do lado de fora. Está tudo arrebentado, janelas, portas.
Algumas pessoas entraram em pânico. Tinham três PMs feridos com a gente.
Nunca imaginei que pudesse acontecer isso. Eles quebraram tudo, é uma
pena", disse o supervisor dos ascensoristas, Robert Rodrigues.
Os manifestantes começaram a chegar ao local por volta
das 19h50. A polícia montou dois cordões de isolamento com a ajuda de
grades para impedir que os ativistas tivessem acesso à escadaria do
prédio. O objetivo era evitar que as pichações ao prédio registradas nos
protestos de quinta-feira se repetissem. Segundo a Polícia Militar, a
tropa de choque foi chamada após uma tentativa de arrombamento. A
polícia tentou impedir a entrada dos manifestantes com balas de
borracha, e muitas pessoas tentam fugir do local.
Do lado de fora, o cenário era de caos, com carros e
orelhões destruídos e incendiados. Várias agencias bancárias foram
depredadas. Na rua da Assembleia, o cenário era de destruição. Além dos
vidros quebrados, as agências foram pichadas pelos manifestantes.
Algumas lojas do centro começaram a ser saqueadas. Enquanto registrava a
ação de quatro pessoas que quebravam uma agência bancária nas
proximidades da Alerj, o repórter do Terra André Naddeo foi agredido e assaltado.
"Eles estavam destruindo uma agência do Itaú e eu estava fazendo foto
com celular", disse. Ele foi cercado e questionado se estava filmando a
ação. "Quando fui tentar argumentar, ele me deu um soco na barriga, o
celular caiu no chão e eles saíram correndo com o aparelho", disse.
Vandalismo de minoria em Porto Alegre
Em meio à manifestação pacífica de cerca de 5 mil pessoas, a ação de um
grupo reduzido causou destruição e transtornos na região central de
Porto Alegre (RS). Após manifestantes quebrarem os vidros de uma revenda
de automóveis da Honda, a Polícia Militar usou bombas de gás
lacrimogênio e balas de borracha. O Batalhão de Operações Especiais
(BOE) esperava a passeata em frente ao prédio do jornal Zero Hora, da
RBS (afiliada da Globo). Segundo o BOE, nove pessoas foram detidas. A maior parte dos ativistas gritava "sem vandalismo, sem violência".
A polícia forçou o trajeto dos manifestantes até a
avenida João Pessoa e, na avenida Azenha, a manifestação foi dispersada.
Um grupo que se manteve no local ateou fogo a objetos, como um
contêiner de construção, outro de lixo, um telefone público e uma caixa
de correio. Um ônibus também foi incendiado. "Eles não fizeram nada
conosco, apenas exigiram que a gente saísse. Eu abri as portas e deixei
todos os passageiros saírem", diz José Gusmão, motorista do veículo. O
condutor diz também que o coletivo não estava lotado, mas tinha um bom
número de pessoas.
O grupo quebrou os vidros e depois tentou virar e
queimar outro ônibus na Azenha, que estava vazio. A polícia usou bombas
de gás e os manifestantes correram. Os bombeiros chegaram para apagar os
focos de incêndio.
Os manifestantes se dispersaram após o primeiro
confronto, mas a violência continuou.
Ocorreu um reagrupamento no bairro
da Cidade Baixa, onde queimaram diversas lixeiras e quebraram vitrines
de banco. Conforme avançava, o grupo realizava novas depredações de
lojas e bancos. Nos arredores do Palácio Piratini, sede do governo
gaúcho, os manifestantes entraram em confronto novamente com a polícia,
que reagiu com mais bombas de efeito moral e gás.
Porto Alegre foi uma das primeiras cidades brasileiras
onde o aumento anunciado no preço da passagem gerou uma onda de
protestos. Após uma série de manifestações, uma decisão judicial
suspendeu o reajuste.
Dilma defende legitimidade de manifestações
Pressionada pelos protestos que se alastram pelo País, a presidente
Dilma Rousseff não apareceu em público nesta segunda-feira. Por meio de
mensagem transmitida a jornalistas da ministra da Comunicação Social,
Helena Chagas, a presidente declarou que "as manifestações pacíficas são
legítimas e próprias da democracia". "É próprio dos jovens se
manifestarem", afirmou a presidente no pronunciamento.
À tarde, Dilma recebeu o ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, em reunião que não constava em sua agenda oficial. O
ministro fez um relato sobre os protestos pelo Brasil. "Ela está
encarando isso como uma questão normal da democracia", afirmou a
ministra. Helena Chagas não relatou impressões de Dilma sobre as vaias
sofridas durante a abertura da Copa das Confederações no último sábado.
"Isso não tem relevância", limitou-se a dizer a ministra.
Outras cidades
Organizações como o
Movimento Passe Livre estimam a ocorrência de protestos em cerca de 200
municípios brasileiros nesta segunda-feira. Houve registro de confrontos
em Curitiba (PR) e Belo Horizonte (MG). Em Maceió
(AL), um estudante foi baleado durante a manifestação. Segundo a
Polícia Militar, o homem tentou furar o bloqueio feito pelos ativistas
em uma rua, quando os manifestantes começaram a bater e empurrar o
veículo. O motorista teria então disparado contra o jovem.
(Com informações: SITE TERRA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário